quinta-feira, 9 de março de 2017

+17 [Nós naquele canto é...]


 

Nós naquele canto é...

Ela gostaria de ter se entregado ao mundo, gostaria de fazer um monte de coisas para evitar comentários excessivos e inadequados e melhor: ela gostaria de mostrar o quão errado todo mundo estava. 

Dia após dia, na ponta dos pés ela tentava fazer o mínimo barulho possível para não perturbar o silêncio do seu artista que provavelmente estava perdido no seu próprio mundo. Mundo cheio se cores, pecados e amores. Um mundo quase igual á que eles criaram, um mundo cheio de sonhos, desejos e rendição. Ela olha para ele completamente submerso num canto onde a luz não batia, um canto que ela conhecia perfeitamente como a palma da sua mão; já perderam-se inúmeras vezes naquele canto, já entregou-se sem vergonha naquele canto, naquele canto... Ela amou sem igual e sentiu-se amada na mesma escala. Um dos atos do amor é este, ter a capacidade de entregar-se e correr o risco de ser completamente dilacerado durante o processo. 

No princípio havia vergonha e medo, medo de ter sido rápido demais e vergonha pelas inúmeras imperfeições que ela tem... Mas ele, com perfeita maestria, guiou o seu corpo como se estivesse a criar um trilho e nos dias que se seguiram, ele sabia cada pedaço do corpo dela. Cada cicatriz, cada volume e cada vulnerabilidade. 

Ela deixou.  

Deixou ser conhecida, amar e ser amada. Até que pela primeira vez ele disse-lhe enrolados no chão cheio de tinta e papéis: "deixa-me te pintar".
Ela riu, riu tanto até dar-se por conta que ele falava sério. Não, não iria deixar pintar-lhe... Assim, tudo terminaria rápido demais. 
O pedido continuou a ser feito depois de cada momento de amor, até que ela cedeu; cheia de sono, cabelo bagunçado e ela permitiu ser desenhada. Com um olhar cheio de amor, cansaço e prazer ela decidiu ser posta no meio da sala onde a luz do sol melhor tocava e banhava o seu corpo nu e deixava mais claro cada centímetro do seu corpo.

E ele desenhou, que nem um louco... A musa que tanto procurava. 
E ela deixou ser desenhara, sem saber que sentimentos vivos e fortes transbordavam na sala, naquele canto. 
Que o mundo lá fora continue sem saber de nada, perdido em seu pior caos e sem sentimento algum... Este mundo cheio de artes e palavras só pertencia aos dois: artistas perdidos e grandes crentes na transcendência do amor.